quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Retenção da terra por benfeitorias no arrendamento rural

O arrendamento rural está previsto na Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), mormente, no art. 95 e seguintes. É o negócio jurídico onde o dono da propriedade rural cede a posse da terra a terceiro, a fim de que este possa trabalha-lha, colhendo, ao final, a sua produção e pagando o valor ajustado ao arrendador durante determinado período.

Ocorre que, assim como na locação de imóvel urbano, há casos em que não é pago o valor do arrendamento, ou seja, o arrendatário resta inadimplente com sua obrigação com o arrendador, gerando, assim, ações de despejo, com a cobrança dos valores devidos e com a consequente reintegração da posse pelo proprietário da terra ora arrendada.

Assim, diante de tal situação, resta ao arrendatário, além de discutir o valor da dívida, tentar se manter na terra até que seja indenizado pelo arrendador sobre eventuais benfeitorias realizadas no imóvel, evitando-se o enriquecimento ilícito do último.

A lei prevê o direito de retenção pelo arrendatário, pois, diante das benfeitorias feitas pelo mesmo, em tese, o imóvel arrendado acaba aumentando o seu valor, de modo que, não é justo que o proprietário se beneficie às custas do arrendatário. 

Nesse viés, é justo que o arrendador indenize o arrendatário. E, para garantir a indenização, a lei dá ao último o direito de reter o bem até que ocorra o ressarcimento.

Contudo, há casos em que, mesmo que o arrendatário tenha feito tais benfeitorias na terra, esse direito não é reconhecido pelos tribunais, o que será demonstrado mais adiante.


Fundamento legal

O direito de retenção pelo arrendatário está previsto no art. 95, inciso VIII da Lei 4.504/64, vejamos:

Art. 95. Quanto ao arrendamento rural, observar-se-ão os seguintes princípios:

(...)

VIII - o arrendatário, ao termo do contrato, tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis; será indenizado das benfeitorias voluptuárias quando autorizadas pelo proprietário do solo; e, enquanto o arrendatário não for indenizado das benfeitorias necessárias e úteis, poderá permanecer no imóvel, no uso e gozo das vantagens por ele oferecidas, nos termos do contrato de arrendamento e das disposições do inciso I deste artigo;


Casos em que esse direito não é reconhecido

1. Quando não há prova da realização das benfeitorias: o arrendatário deve fazer provas contundentes das benfeitorias realizadas, como, por exemplo, fotos, filmagens, notas fiscais do material empregado e outras.

Nesse sentido, colacionamos o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARRENDAMENTO RURAL. RESCISÃO E DESPEJO. REVONVENÇÃO. PEDIDO LIMINAR DE RETENÇÃO POR BENFEITORIAS INDEFERIDA. A existência de benfeitorias indenizáveis e o direito de retenção são questões que dependem de dilação probatória, estando, de resto, assegurada a posse da área arrendada ao arrendatário em razão do indeferimento do pedido liminar de retomada. O direito de retenção não se presta a assegurar ao arrendatário a realização e retorno de investimentos e benfeitorias para além da vigência do contrato. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70064757974, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em 12/06/2015).


2. Quando há vedação expressa pelo arrendador: em caso de contrato expresso, havendo cláusula que vede a realização das ditas benfeitorias pelo arrendatário, se o mesmo fizer, não terá direito à indenização, tampouco à retenção da terra, ainda que seja mais de um arrendatário, pois, nesse caso, são devedores de forma solidária, ou seja, cada um é devedor de toda a dívida e não de parte.

Vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. ARRENDAMENTO RURAL. SOLIDARIEDADE ENTRE OS ARRENDATÁRIOS E INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. SÚMULAS 7 E 5/STJ. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURADA. PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA PELO MAGISTRADO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 42 DO CDC. NECESSIDADE DA CARACTERIZAÇÃO DE MÁ-FÉ.

SÚMULA 7/STJ. PROVIMENTO NEGADO.

1. O Tribunal de origem, de acordo com a prova dos autos, concluiu que no contrato em discussão consta a previsão de incorporação das benfeitorias ao imóvel rural arrendado, bem como de solidariedade entre os arrendatários.

2. Desse modo, o acolhimento das pretensões atinentes à inexistência de impedimento para recebimento de indenização pelas benfeitorias realizadas, bem como a falta de previsão contratual prevendo a solidariedade entre os arrendatários do imóvel rural, como ora perseguido, ensejaria o revolvimento de matéria fática, bem como a interpretação de cláusulas contratuais, o que, na hipótese dos autos, encontra empeço, respectivamente, nas Súmulas 7 e 5 deste Pretório.

3. O Superior Tribunal de Justiça entende que não configura cerceamento de defesa o julgamento da causa quando o Tribunal de origem entender substancialmente instruído o feito, declarando a prescindibilidade de produção probatória, por se tratar de matéria devidamente analisada quanto ao seu caráter probante.

4. A Segunda Seção desta Corte firmou o entendimento de que a devolução em dobro dos valores pagos pelo consumidor somente é possível quando demonstrada a má-fé do credor. Precedentes.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp 553.649/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 01/12/2015).



Em sendo assim, o arrendatário deve estar, na hora da contratação, atento às cláusulas pactuadas, a fim de evitar prejuízos futuros, além de respeitar os termos do contrato durante a vigência do arrendamento, pois, como visto, nem sempre terá direito ao ressarcimento ou direito a reter o bem.  Os casos acima são exemplificativos e não excluem outros que possam surgir.


terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Reconhecimento de união estável fora do casamento


Hodiernamente é comum os casais, quando se separam, entrarem em um novo relacionamento com terceiros, constituindo outra família; isto é, partirem para uma união estável.

Ocorre que, apesar da separação de fato, o casamento ainda persiste até que seja dissolvido em ação de divórcio ou ação de conversão de separação em divórcio.

Contudo, mesmo que a pessoa ainda seja casada e tenha uma união estável com uma terceira pessoa, esta união deverá ser reconhecida. O requisito, portanto, é que os cônjuges estejam separados de fato.

O Código Civil estabelece alguns impedimentos para o casamento:

Art. 1.521. Não podem casar:

(...)

VI - as pessoas casadas;


No entanto, há ressalva no mesmo diploma legal para o caso de separação de fato, hipótese em que o indivíduo constitui união estável:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.     grifamos

Apesar da previsão legal, houve várias ações judiciais a fim de anular a união estável por infringir os arts. 1.521 e 1.723 do Código Civil, acima citados. Mas, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que não há infração dos referidos artigos, conforme decisão abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. CONFIGURAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. SEPARAÇÃO DE FATO ENTRE CÔNJUGES. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL. SÚMULA 83/STJ. (...) 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que a existência de casamento válido não obsta o reconhecimento da união estável, desde que haja separação de fato ou judicial entre os casados. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 494.273/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 10/6/2014, DJe de 1º/7/2014.)

A questão é que o reconhecimento de união estável traz consequências jurídicas, como o direito do companheiro a bens, pensões, etc, conforme o caso concreto.

Dessa forma, mesmo que a sociedade conjugal ainda não seja dissolvida judicialmente, é possível o reconhecimento da união estável de um dos cônjuges ou dos dois com terceiros, desde que estejam separados de fato. Isso porque a união estável, conforme prescreve a lei, é considerada uma entidade familiar, assim como no caso do casamento, onde as partes contraem direitos e obrigações.