quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Contratos Agrários Típicos (Arrendamento e Parceria Rural)

      O assunto sobre os contratos agrários parece ser pouco tratado, haja vista a ênfase dada às relações jurídicas desenvolvidas na zona urbana. No entanto, é um tema de suma importância, já que a produção agrícola, por exemplo, de arroz, milho, soja e outros, movimenta grande parte da economia nacional. E por que não falar na pecuária, com a criação de bovinos e outros animais.

    Nesse universo existem incontáveis relações jurídicas entre produtores e proprietários de terras rurais, sendo que, em peso, revelam acordo de vontades, portanto, são relações contratuais, que estabelecem direitos e obrigações às partes.

   Assim como todo contrato, as partes devem preencher alguns requisitos legais, como aqueles previstos no art. 104 do Código Civil (capacidade jurídica dos contraentes, licitude do objeto contratual e forma prescrita ou não proibida por lei), além de outros específicos para determinado negócio.

      Os contratos agrários previstos na lei (típicos) são o de arrendamento e parceria, que tem por escopo a posse e/ou o uso temporário de determinada área rural, negócio que se dá entre o proprietário da terra e aquele que vai exercer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, conforme dispõe o Estatuto da Terra, Lei 4.504/64, em seu art. 92 e art. 13 da Lei 4.947/66. Aqueles não previstos em lei são considerados atípicos, como, por exemplo, comodato, empreitada, etc., mas vamos nos ater apenas nos contratos típicos.

      Nesse viés, reza o art. 1º do Decreto 59.566/66: 

"Art 1º O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquêle que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista (art. 92 da Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964 - Estatuto da Terra - e art. 13 da Lei nº 4.947 de 6 de abril de 1966)."

      Além disso, dispõe o referido Decreto que todos os contratos celebrados no território nacional serão regidos pelo seu regulamento, além do que, são irrenunciáveis os direitos e vantagens nele instituídos. E mais, qualquer cláusula que contrarie as regras e princípios ali dispostos, será nula de pleno direito e sem efeito.

    Conforme o art. 11 do Decreto 59.566/66, o contrato pode ser escrito ou verbal. Se for verbal, presumir-se-ão ajustadas as cláusulas do art. 13 do referido decreto. Caso seja escrito, deverá conter: 

1) Lugar e data da assinatura do contrato;

2) Nome completo e endereço dos contratantes;

3) Características do arrendador ou do parceiro-outorgante (espécie, capital registrado e data da constituição, se pessoa jurídica, e, tipo e número de registro do documento de identidade, nacionalidade e estado civil, se pessoa física e sua qualidade (proprietário, usufrutuário, usuário ou possuidor);

4) Característica do arrendatário ou do parceiro-outorgado (pessoa física ou conjunto família);

5) Objeto do contrato (arrendamento ou parceria), tipo de atividade de exploração e destinação do imóvel ou dos bens;

6) Identificação do imóvel e número do seu registro no Cadastro de imóveis rurais do IBRA (constante do Recibo de Entrega da Declaração, do Certificado de Cadastro e do Recibo do Imposto Territorial Rural);

7) Descrição da gleba (localização no imóvel, limites e confrontações e área em hectares e fração), enumeração das benfeitorias (inclusive edificações e instalações), dos equipamentos especiais, dos veículos, máquinas, implementos e animais de trabalho e, ainda, dos demais bens e ou facilidades com que concorre o arrendador ou o parceiro-outorgante;

8) Prazo de duração, preço do arrendamento ou condições de partilha dos frutos, produtos ou lucros havidos, com expressa menção dos modos, formas e épocas desse pagamento ou partilha;

9) Cláusulas obrigatórias com as condições enumeradas no art. 13 do presente Regulamento, nos arts. 93 a 96 do Estatuto da Terra e no art. 13 da Lei 4.947-66;

10) Foro do contrato;

11) Assinatura dos contratantes ou de pessoa a seu rogo e de 4 (quatro) testemunhas idôneas, se analfabetos ou não poderem assinar.


I – Arrendamento

      É o negócio jurídico celebrado entre o proprietário (arrendador), o qual cede, no todo ou em parte, o uso e gozo de terra rural a outra pessoa (arrendatário), que explorará atividade econômica agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, por prazo certo ou indeterminado, por preço certo e previamente ajustado.

      Conforme ainda estabelece o art. 3º do Decreto 59.566/66, dentro da terra arrendada, poderão incluir-se bens, benfeitorias e facilidades, a fim de que se possa desenvolver as atividades acima elencadas.


I.1 – Espécies de Arrendamento

Arrendamento agrícola: destinado ao cultivo de espécies vegetais;

- Arrendamento pecuário: destinado à criação, recriação, invernação ou terminação de animais;

- Arrendamento agroindustrial: destina-se ao beneficiamento de produtos agrícolas, pecuários ou vegetais, onde as instalações são de propriedade do arrendador ou este seja seu legítimo possuidor;

- Arrendamento de extração: para o fim de extração de espécimes florestais nativas, animais ou agrícolas de propriedade do arrendador;

- Arrendamento misto: quando houver mais de uma modalidade de arrendamento.


I.2 – Direitos e deveres do arrendador e do arrendatário

- Direitos do arrendatário: preferência na aquisição do imóvel nas mesmas condições com terceiros, ou, não sendo notificado, poderá reaver o imóvel para si se depositar o valor da venda ao terceiro dentro de seis meses da data da escritura de compra e venda; irrenunciabilidade dos direitos garantidos pela lei, indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias com direito de retenção do imóvel. Basicamente, os mesmos direitos no caso de aluguel de imóvel urbano;

- Deveres do arrendatário: pagar pontualmente o arrendamento, respeitando preço, local e prazos ajustados, cuidar da terra como se sua fosse, levar ao conhecimento do arrendador qualquer ameaça ou ato de turbação ou esbulho que venha sofrer, fazer as benfeitorias úteis e necessárias que garantam o uso da terra e devolver o imóvel com seus acessórios no mesmo estado em que recebeu.

- Direitos do arrendador: reaver o imóvel nas mesmas condições que entregou ao arrendatário, opor-se a cortes ou podas feitas pelo arrendatário se causarem danos aos fins florestais ou agrícolas a que se destina o contrato.

- Deveres do arrendador: entregar o imóvel ao arrendatário na data estabelecida ou segundo os usos e costumes da região, garantir ao arrendatário o uso e gozo da terra dentro do prazo do contrato, fazer obras e reparos necessários e pagar as taxas e impostos do imóvel, podendo ser convencionada outra forma.


I. 3 – Prazos de arrendamento

      Se não houver previsão contratual, ou seja, o prazo for indeterminado, este contará como três anos, conforme prescreve o art. 21 do Decreto 59.566/66.

      Para contratos de arrendamento com prazo superior a dez anos, é necessária a outorga do cônjuge do arrendador.

     Caso o prazo estipulado no contrato não seja suficiente para o arrendatário realizar a colheita, deverá estipular um aditamento do prazo contratual com o arrendador, ou, na negativa deste, buscar judicialmente, pois trata-se de direito indisponível pela lei.


I.4 - Extinção do contrato

      As causas de extinção do arrendamento são: término do prazo do contrato, retomada pelo arrendador ou terceiro, aquisição pelo arrendatário, rescisão contratual, resolução ou extinção do direito do arrendador, força maior, sentença judicial irrecorrível, perda do imóvel rural, desapropriação total ou parcial e qualquer outra causa prevista em lei.


II – Parceria rural

     É o contrato agrário em que as partes somam suas forças com uma finalidade em comum, portanto, possui caráter societário. De um lado, o proprietário ou usufrutuário da terra, denominado outorgante, e, de outro, aquele que trabalhará a terra, ou seja, entra com a mão de obra, denominado outorgado.

    As finalidades são as mesmas do arrendamento rural (exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista). A diferença está no fato de que, ambas as partes vão partilhar o lucro obtido desta relação, participando também dos riscos do negócio.

     Com efeito, a participação do proprietário da terra (outorgante) não será, necessariamente, igualitária com o outorgado, ou seja, de 50%, dependerá, pois, de algumas condições. Tal cota parte do outorgante poderá variar entre 10 e 75%, conforme os casos elencados abaixo:

a) 10% (dez por cento) quando concorrer apenas com a terra nua;

b) 20% (vinte por cento) quando concorrer com a terra preparada e moradia;

c) 30% (trinta por cento) caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas, valas ou currais, conforme o caso;

d) 50% (cinquenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de benfeitorias enumeradas no inciso III, e mais o fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50% (cinquenta por cento) do número total de cabeças objeto da parceria;

e) 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultraextensiva, em que forem os animais de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinto por cento) do rebanho onde se adotem a meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por cento) por animal vendido.


II.1 - Espécies de Parceria

a) agrícola: quando o objeto for o uso de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, com o objetivo de nele ser exercida a atividade de produção vegetal;

b) pecuária: quando o objetivo da cessão forem animais para cria, recria, invernagem ou engorda;

c) agroindustrial: quando o objeto do contrato for o uso do imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, ou maquinaria e implementos, com o objetivo de ser exercida atividade de transformação de produto agrícola, pecuário ou florestal;

d) extrativa: quando o objeto da parceria for o uso de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, e ou animais de qualquer espécie, com o objetivo de ser exercida atividade extrativa de produto agrícola, animal ou florestal;

e) mista: quando o objeto da cessão abranger mais de uma das modalidades de parceria definidas nos incisos anteriores.


II.2 – Peculiaridades da parceria rural

      A lei determina que o outorgante poderá cobrar do parceiro-outorgado, pelo seu preço de custo, o valor dos fertilizantes e inseticidas fornecidos no percentual correspondente a sua participação, conforme os casos elencados no item II. Em outros casos não elencados no item II, a cota do outorgante será, no máximo, de dez por cento (10%) das benfeitorias ou dos bens colocados à disposição do outorgado.

      Nos contratos de parceria rural não poderão constar cláusulas de participação em percentuais distintos dos acima elencados. Se isso ocorrer, poderá o parceiro prejudicado buscar a adequação dos percentuais em juízo. 


II.2.1 – Rescisão do contrato

      Havendo perda total do objeto do contrato em decorrência de força maior, como por exemplo, eventos da natureza, o contrato fica rescindido, ficando as partes livres de qualquer responsabilidade por perdas e danos. Caso a perda seja parcial, os prejuízos serão repartidos, na proporção de cada parceiro.


II.2.2 – Caracterização do vínculo empregatício

    O parágrafo único do art. 96 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) diz que, se houver pagamento ao outorgado, parte em dinheiro e parte em lavoura, não se trata de parceria e sim de relação de emprego, regulada na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

      Reza o referido dispositivo:

“Parágrafo único. Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador, parte em dinheiro e parte percentual na lavoura cultivada, ou gado tratado, são considerados simples locação de serviço, regulada pela legislação trabalhista, sempre que a direção dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário, locatário do serviço a quem cabe todo o risco, assegurando-se ao locador, pelo menos, a percepção do salário-mínimo no cômputo das duas parcelas."

    Conforme se depreende do texto legal acima, o valor total do dinheiro pago mais a participação na lavoura não pode ser inferior ao salário mínimo.

   Também é importante frisar que a referida “direção nos trabalhos, mediante inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário” carrega os requisitos da relação de emprego, quais sejam, a subordinação e a pessoalidade, além da não-eventualidade e do próprio pagamento pelo serviço (onerosidade).


II.2.3 – Prazo

     Se as partes não determinarem o prazo da parceria, será considerado o de três anos. Durante este período ou o contratado pelos parceiros, a qualquer tempo, eles podem convencionar transformar o contrato de parceria rural em arrendamento.


III – Considerações finais

     Os contratos agrários possuem peculiaridades não presentes nos contratos de imóveis urbanos. No entanto, as relações, em alguns casos, são bem parecidas. Assim como todo contrato, ele é bilateral, estabelecendo direitos e obrigações aos contratantes.

      A liberdade de contratar também está presente nestes contratos, assim como outros princípios, por exemplo, a boa-fé contratual objetiva, a lealdade, etc. Nesse sentido, vimos o caso em que é possível transformar a relação jurídica de parceria para arrendamento se assim for melhor para as partes. Também é possível às partes convencionarem outros contratos não previstos em legislação específica, os chamados contratos atípicos.

      Em contrapartida, a lei regula dois tipos de contratos, de arrendamento e parceria, especificando-os, além de estabelecer condições e limites. O não cumprimento poderá acarretar a nulidade das cláusulas, a rescisão contratual, e até mesmo gerar perdas e danos.

       Estão amparados por legislação específica, Lei 4.504/64 – Estatuto da Terra, Decreto-Lei 59.566/66 – Regulamento o Estatuto da Terra e Lei 4.947/66 – Regulamenta o direito agrário. No entanto, na omissão destas normas, aplicável, subsidiariamente, o Código Civil, Código de Processo Civil e outras normas pertinentes.

      Por se tratar de relação entre pessoas que moram no campo, como de costume, costumavam e talvez até hoje costumam, convencionar de forma verbal, a própria lei se encarregou de “decidir” o que de direito em algumas situações, como prazos, porcentagens, etc.

     Dessa forma, entendemos que, com o avanço da tecnologia e do acesso à informação, os contratos agrários devem ser feitos de forma escrita (expressa), assinada pelas partes e por duas testemunhas, para que produza seus legais e jurídicos efeitos, e, principalmente, atendendo ao que dispõe a legislação.