sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Aspectos sobre o Marco Civil da Internet: Lei nº 12.965/14

Apesar de o Brasil estar inserido na rede mundial de computadores há quase 25 anos (e ter disponibilizado o acesso ao público em geral há cerca 20 anos), há um ano, foi criada lei federal que regula o uso do referido serviço em território nacional.

Mais do que isso, a referida norma não só estabelece garantias, princípios, direitos e deveres dos internautas, como tem o escopo de preencher algumas lacunas na lei vigente, como o Código Civil e o Estatuto do Consumidor, as quais eram aplicadas nos casos em que eram levados a apreciação do Poder Judiciário.

A novel legislação emergiu a partir de construções doutrinárias e jurisprudenciais, tendo-se como um de seus princípios a teoria do diálogo das fontes, ou seja, uma lei não exclui a outra, elas se complementam de acordo com o caso concreto.

Nesse viés, a Lei 12.965/14 não exclui a aplicação das legislações que regulam os contratos físicos, como o Código Civil, o Estatuto do Consumidor e outras leis aplicáveis analogicamente às relações virtuais. Cabe ao aplicador da lei, o juiz, tomar o devido cuidado de adequar a incidência das ditas normas, a fim de chegar-se ao seu desiderato: fazer justiça.

Contudo, o Marco Civil da Internet trouxe dois aspectos que, a nosso ver, parecem ser contrários ao que se vinha construindo pela doutrina e principalmente pela jurisprudência, seja porque o legislador talvez tenha pecado em não se dar conta, seja porque possuiu outra interpretação/intenção. De qualquer forma, o juiz irá se resguardar das legislações vigentes para dar uma interpretação razoável da norma, a fim de adequá-la corretamente ao litígio apresentado.


Aspectos importantes

Vamos discorrer sobre aqueles aspectos que apontamos como mais importantes, considerando, sobretudo, a nossa visão sobre o tema. Alertamos, desde já, que é muito cedo para se dar uma interpretação definitiva, haja vista que a referida lei é recente.

Também é importante salientar que o presente texto tem o cunho de informação e reflexão. Além disso, como se destina ao público em geral, tentaremos usar uma linguagem o mais simples possível, de forma que leve ao fácil entendimento do leitor.


I – Aplicabilidade de outras normas

A lei 12.965/14 estabelece em seu art. 3º, parágrafo único que os princípios desta lei não excluirá os das outras legislações brasileiras, bem como os tratados em que o Brasil fizer parte.

Podemos entender então que as demais normas não serão excluídas, servindo como complemento naquilo em que esta lei for omissa, aplicando-se o princípio do diálogo das fontes, explicado logo acima.

Portanto, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), bem como o Código Civil e outras legislações pertinentes serão aplicados ao caso concreto, de acordo com a sua necessidade e adequação.


II – Vedação da utilização comercial dos dados pessoais dos usuários

A lei trata os sites como “provedores de aplicações”. Aqui não podemos confundir com “provedores de internet” que são os responsáveis pela conexão e acesso do computador do usuário à rede mundial, numa linguagem mais popular, é quem fornece “o sinal de internet”.

Pois bem, quando o usuário entra em um site de busca/pesquisa, é comum que este venda o registro de acesso do internauta a outro site que possui o produto de interesse deste usuário. Não acontece somente com sites de busca, pode acontecer com outros sites, como redes sociais e até mesmos aqueles destinados a comercialização de determinado produto.

Assim, quando o usuário começa a navegar na internet, em algumas páginas que visitar, lá estarão diversas propagandas daquele produto que outrora buscou nestes sites de pesquisa, e isso não só acaba com a privacidade do indivíduo, como também resta incômodo ter que lidar com tal situação.

Agora, segundo o art. 7º, inciso VII, não poderão mais estes sites de busca ou quaisquer outros comercializar os dados pessoais do usuário, salvo, porém, se houver o consentimento expresso deste.

Esta ressalva, no entanto, foi colocada em lei para homenagear o princípio da liberdade de contratar das partes, que faz parte da autonomia das vontades, norteador do nosso direito contratual como um todo. Porém, esta autorização pode ser revogada a qualquer momento pelo internauta.


III – Neutralidade da rede

O princípio da neutralidade, previsto no art. 9º da Lei 12.965/14, traz a ideia de que o provedor de acessos deve tratar a todos os sites de forma isonômica, igual. Ou seja, não poderá o provedor estabelecer custos menores para o acesso a determinados sites em detrimento de outros. Isso prejudicaria, inclusive, a concorrência leal das empresas envolvidas.

No entanto, existem casos em que alguns sites, como redes sociais, possuem promoções de acesso gratuito pelos provedores. A nosso ver, isso acaba atraindo muitos usuários somente para determinada página, prejudicando outros sites do mesmo seguimento. Mas há quem entenda o contrário. Por esse motivo, é de duvidosa eficácia a referida norma.

A regra do artigo 9º admite exceções, em seu § 1º, quais sejam: “I - requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e II - priorização de serviços de emergência.” Somente nesses casos poderá haver certa prioridade no acesso dos provedores de internet.

Por outro lado, não podemos confundir este caso com os de provedores de cobram pelo acesso conforme a velocidade do sinal. Ou seja, pacotes proporcionais para velocidades de 1MB (megabyte), 2, 5, 10, etc.

Finalmente, o referido §1º diz que os casos de discriminação ou degradação de tráfego de dados, bem como as exceções serão tratadas por decreto presidencial (Art. 84, inciso IV da Constituição Federal), ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência Nacional de Telecomunicações.


IV – Aplicação da Lei brasileira a sites com sede no estrangeiro

Antes da referida lei entrar em vigor, aplicava-se a regra do art. 9º, § 2º do Decreto-Lei 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB), a qual diz que, deve ser aplicada a lei do país onde reside o proponente aos contratos celebrados.

Isso significa que, se um estrangeiro vende um produto a um brasileiro, por exemplo, a lei que vai reger o contrato vai ser a do país do vendedor. Nesse caso, não incidirá a lei brasileira. Essa regra valia não só para os contratos em geral, mas para o que dizia respeito aos dados dos usuários.

Não havia, portanto, legislação que impedisse os sites, mesmo os estrangeiros, de comercializar os dados pessoais dos usuários brasileiros. Como o Marco Civil, resta obrigatório o respeito à privacidade da coleta, armazenamento, guarda e tratamento de dados pessoais de usuários, em dois casos: a) quando um dos terminais estiver localizado no Brasil, e; b) mesmo que a empresa esteja localizada no exterior, mas que ofereça seus produtos aos brasileiros.

Porém, quanto aos casos de contratos eletrônicos, seguem as mesmas regras anteriores, onde os usuários contratam (compram) produtos e serviços em sites com sede no estrangeiro. Isso se torna um problema, visto que, atualmente, é muito comum alguém no Brasil contratar produtos e serviços no exterior via internet. Porém, quando há descumprimento por parte do vendedor, não há como aplicar, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, deverá, então, ser aplicada a lei do país estrangeiro.

Assim, diante de uma situação danosa causada por site estrangeiro, o usuário vai ter de entrar com uma ação judicial no Brasil, em que o juiz brasileiro irá pedir para o juiz estrangeiro a citação do réu (site) e o processamento da ação, através de um documento chamado carta rogatória, cabendo ao juízo daquele país aceitar ou não o pedido. Isso leva muito tempo até que o internauta tenha satisfeita a sua demanda.

Nesse sentido, foi se criando um entendimento nos tribunais superiores brasileiros de que, se a empresa estrangeira tiver filial no Brasil, e oferecer seus produtos aos brasileiros, ficará a mesma sob a égide da normas brasileiras.


V – Controle e proteção dos pais de conteúdo para menores

Um outro aspecto que não foi olvidado pela referida Lei é o que diz respeito ao controle de conteúdo para os terminais dos filhos, feitos pelos pais. Eles podem escolher o programa a ser utilizado nos computadores, tablets, etc, de seus filhos, a fim de buscar maior proteção de conteúdos adultos e outros que induzam menores a redes de pedofilia e prostituição.

Apesar de estar contida na disposições finais, em seu art. 29, consideramos positiva esta prescrição, reforçando o conteúdo disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Vejamos o artigo na íntegra:

Art. 29.  O usuário terá a opção de livre escolha na utilização de programa de computador em seu terminal para exercício do controle parental de conteúdo entendido por ele como impróprio a seus filhos menores, desde que respeitados os princípios desta Lei e da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.


Aspectos controversos

Conforme explicitamos no início, há alguns aspectos trazidos pela Lei da Internet que, a nosso ver, não representa um avanço em termos de proteção ao usuário. Se não, vejamos:


I – Responsabilidade civil dos provedores de conexão

O art. 18 da Lei 12.965/14 afasta a responsabilidade civil dos provedores de internet por danos causados pelos sites ou terceiros usuários. Na verdade, este artigo foi resultado de uma construção doutrinária consolidada pela jurisprudência.

Anteriormente à referida lei, a responsabilidade dos provedores de conexão era matéria controvertida, mas, entendia-se que, o provedor só não seria responsabilizado se o mesmo não tivesse acesso ao conteúdo de determinada página.

Hodiernamente, mesmo que o provedor não tenha acesso ao site, deve tomar medidas para remover o conteúdo ofensivo ao usuário, nem que, para isso, deva remover o site do ar, sob pena de responder solidariamente com a página hospedada.

No entanto, à luz da referida norma, mesmo que o provedor de internet tome conhecimento pelo usuário de que teve sua honra ou imagem ofendidos em determinado site, ainda que o provedor de conexão possa remover tal publicação, ele o fará se assim quiser, e, mesmo que não faça, ficará livre de responsabilidade.

Contudo, mesmo após o advento da Lei da Internet, conforme dito acima, o egrégio Superior Tribunal de Justiça tem mantido seu entendimento, responsabilizando o provedor de conexão caso ele não haja de forma enérgica, retirando, se preciso, o site do ar:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC) - AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL - CRIAÇÃO DE PERFIL FALSO EM SÍTIO DE RELACIONAMENTO (ORKUT) - AUSÊNCIA DE RETIRADA IMEDIATA DO MATERIAL OFENSIVO - DESÍDIA DO RESPONSÁVEL PELA PÁGINA NA INTERNET - SÚMULA N. 7 DO STJ - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO PROVIMENTO AO RECURSO - INSURGÊNCIA DA RÉ.
1. Violação ao art. 535, do Código de Processo Civil, não configurada. Acórdão estadual que enfrentou todos os aspectos essenciais à resolução da controvérsia.
2. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02.
Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada.
3. Revela-se inviável o exame da tese fundada na inexistência de desídia da recorrente ao não retirar o perfil denunciado como falso e com conteúdo ofensivo, porque demandaria a reanálise de fatos e provas, providência vedada a esta Corte em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
4. A indenização por danos morais, fixada em quantum sintonizado ao princípio da razoabilidade, não enseja a possibilidade de interposição do recurso especial, dada a necessidade de exame de elementos de ordem fática, cabendo sua revisão apenas em casos de manifesta excessividade ou irrisoriedade do valor arbitrado.
Incidência da Súmula n. 7/STJ.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 495.503/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 01/06/2015)


II – Responsabilidade civil dos sites por conteúdos gerados por terceiros

Antes da presente norma entrar em vigor, havia um entendimento jurisprudencial no sentido de que os sites, principalmente, redes sociais, que contivessem publicações ofensivas à determinada pessoa, deveriam retirar as postagens da página em até 24 horas do recebimento da notificação do ofendido, sob pena de reparação de danos morais.

Com o advento do Marco Civil, conforme dispõe seu art. 19 e 21, o site somente removerá tais publicações mediante ordem judicial, obedecendo-se, para esse fim, o prazo estipulado pelo juiz.

Por isso, entendemos que este regramento não trouxe benefícios aos usuários, mas sim, maior proteção aos provedores de aplicações (sites). Ou seja, se o internauta tomar conhecimento de alguma ofensa pessoal em uma página da internet, deverá formar provas convincentes da agressão moral de terceiros (art. 21, parágrafo único) para depois mover a máquina judiciária, caso em que, o juiz determinará que o site tome as devidas providências, a fim de remover tais publicações danosas de sua página.

Considerando a velocidade com que a informação é difundida na rede mundial, aliado ao tempo atingido até a propositura da ação, decisão judicial e notificação do provedor de aplicações, os danos causados à imagem do usuário poderão ser de difícil reparação ou irreparáveis.


Considerações finais

Destarte, apesar do Marco Civil da Internet ter mais de um ano, podemos dizer que é ainda é cedo para se dizer em que sentido deverá ser modificada a jurisprudência, bem como qual será o sentido e alcance dessas normas atuais.

Como vimos, a referida Lei trouxe novidades que aumentam, por exemplo, a proteção do usuário brasileiro contra empresas estrangeiras.

Também, vemos como positiva a questão da neutralidade da rede, a fim de manter-se a livre concorrência entre os sites “pequenos” e “grandes” da internet, muito embora haja certa controvérsia sobre o assunto.

Outro aspecto importante foi a livre escolha dos pais dos programas de proteção que irão instalar nos dispositivos dos filhos, a fim de protegê-los de criminosos virtuais.

Por outro lado, certa parte da discorrida Lei, parece desvestir o internauta de certas garantias no que tange do tratamento do usuário com sites e provedores.

Acreditamos que, por essa razão, a jurisprudência vem mantendo seu entendimento anterior em alguns assuntos, conforme vimos acima, não havendo ainda, um entendimento consolidado acerca da aplicação desta Lei, pois, talvez seja ainda cedo para se chegar a uma interpretação razoável da mesma através do já comentado princípio do diálogo das fontes.