Apesar
de o Brasil estar inserido na rede mundial de computadores há quase
25 anos (e ter disponibilizado o acesso ao público em geral há
cerca 20 anos), há um ano, foi criada lei federal que regula o uso
do referido serviço em território nacional.
Mais
do que isso, a referida norma não só estabelece garantias,
princípios, direitos e deveres dos internautas, como tem o escopo de
preencher algumas lacunas na lei vigente, como o Código Civil e o
Estatuto do Consumidor, as quais eram aplicadas nos casos em que eram
levados a apreciação do Poder Judiciário.
A
novel legislação emergiu a partir de construções
doutrinárias e jurisprudenciais, tendo-se como um de seus princípios
a teoria do diálogo das fontes, ou seja, uma lei não exclui
a outra, elas se complementam de acordo com o caso concreto.
Nesse
viés, a Lei 12.965/14 não exclui a aplicação das legislações
que regulam os contratos físicos, como o Código Civil, o Estatuto
do Consumidor e outras leis aplicáveis analogicamente às relações
virtuais. Cabe ao aplicador da lei, o juiz, tomar o devido cuidado de
adequar a incidência das ditas normas, a fim de chegar-se ao seu
desiderato: fazer justiça.
Contudo,
o Marco Civil da Internet trouxe dois aspectos que, a nosso ver,
parecem ser contrários ao que se vinha construindo pela doutrina e
principalmente pela jurisprudência, seja porque o legislador talvez
tenha pecado em não se dar conta, seja porque possuiu outra
interpretação/intenção. De qualquer forma, o juiz irá se
resguardar das legislações vigentes para dar uma interpretação
razoável da norma, a fim de adequá-la corretamente ao litígio
apresentado.
Aspectos
importantes
Vamos
discorrer sobre aqueles aspectos que apontamos como mais importantes,
considerando, sobretudo, a nossa visão sobre o tema. Alertamos,
desde já, que é muito cedo para se dar uma interpretação
definitiva, haja vista que a referida lei é recente.
Também
é importante salientar que o presente texto tem o cunho de
informação e reflexão. Além disso, como se destina ao público em
geral, tentaremos usar uma linguagem o mais simples possível, de
forma que leve ao fácil entendimento do leitor.
I
– Aplicabilidade de outras normas
A
lei 12.965/14 estabelece em seu art. 3º, parágrafo único que os
princípios desta lei não excluirá os das outras legislações
brasileiras, bem como os tratados em que o Brasil fizer parte.
Podemos
entender então que as demais normas não serão excluídas, servindo
como complemento naquilo em que esta lei for omissa, aplicando-se o
princípio do diálogo das fontes, explicado logo acima.
Portanto,
o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), bem como o Código
Civil e outras legislações pertinentes serão aplicados ao caso
concreto, de acordo com a sua necessidade e adequação.
II
– Vedação da utilização comercial dos dados pessoais dos
usuários
A
lei trata os sites como “provedores de aplicações”. Aqui
não podemos confundir com “provedores de internet” que são os
responsáveis pela conexão e acesso do computador do usuário à
rede mundial, numa linguagem mais popular, é quem fornece “o sinal
de internet”.
Pois
bem, quando o usuário entra em um site de busca/pesquisa, é
comum que este venda o registro de acesso do internauta a outro site
que possui o produto de interesse deste usuário. Não acontece
somente com sites de busca, pode acontecer com outros sites,
como redes sociais e até mesmos aqueles destinados a comercialização
de determinado produto.
Assim,
quando o usuário começa a navegar na internet, em algumas
páginas que visitar, lá estarão diversas propagandas daquele
produto que outrora buscou nestes sites de pesquisa, e isso
não só acaba com a privacidade do indivíduo, como também resta
incômodo ter que lidar com tal situação.
Agora,
segundo o art. 7º, inciso VII, não poderão mais estes sites
de busca ou quaisquer outros comercializar os dados pessoais do
usuário, salvo, porém, se houver o consentimento expresso deste.
Esta
ressalva, no entanto, foi colocada em lei para homenagear o princípio
da liberdade de contratar das partes, que faz parte da autonomia das
vontades, norteador do nosso direito contratual como um todo. Porém,
esta autorização pode ser revogada a qualquer momento pelo
internauta.
III
– Neutralidade da rede
O
princípio da neutralidade, previsto no art. 9º da Lei 12.965/14,
traz a ideia de que o provedor de acessos deve tratar a todos os
sites de forma isonômica, igual. Ou seja, não poderá o
provedor estabelecer custos menores para o acesso a determinados
sites em detrimento de outros. Isso prejudicaria, inclusive, a
concorrência leal das empresas envolvidas.
No
entanto, existem casos em que alguns sites, como redes
sociais, possuem promoções de acesso gratuito pelos provedores. A
nosso ver, isso acaba atraindo muitos usuários somente para
determinada página, prejudicando outros sites do mesmo
seguimento. Mas há quem entenda o contrário. Por esse motivo, é de
duvidosa eficácia a referida norma.
A regra do artigo 9º admite exceções, em seu § 1º, quais sejam:
“I - requisitos técnicos indispensáveis à
prestação adequada dos serviços e aplicações; e II - priorização
de serviços de emergência.” Somente nesses casos poderá haver
certa prioridade no acesso dos provedores de internet.
Por
outro lado, não podemos confundir este caso com os de provedores de
cobram pelo acesso conforme a velocidade do sinal. Ou seja, pacotes
proporcionais para velocidades de 1MB (megabyte), 2, 5, 10, etc.
Finalmente,
o referido §1º diz que os casos de discriminação ou degradação
de tráfego de dados, bem como as exceções serão tratadas por
decreto presidencial (Art. 84, inciso IV da Constituição Federal),
ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência Nacional de
Telecomunicações.
IV
– Aplicação da Lei brasileira a sites com sede no estrangeiro
Antes
da referida lei entrar em vigor, aplicava-se a regra do art. 9º, §
2º do Decreto-Lei 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro – LINDB), a qual diz que, deve ser aplicada a
lei do país onde reside o proponente aos contratos celebrados.
Isso
significa que, se um estrangeiro vende um produto a um brasileiro,
por exemplo, a lei que vai reger o contrato vai ser a do país do
vendedor. Nesse caso, não incidirá a lei brasileira. Essa regra
valia não só para os contratos em geral, mas para o que dizia
respeito aos dados dos usuários.
Não
havia, portanto, legislação que impedisse os sites, mesmo os
estrangeiros, de comercializar os dados pessoais dos usuários
brasileiros. Como o Marco Civil, resta obrigatório o respeito à
privacidade da coleta, armazenamento, guarda e tratamento de dados
pessoais de usuários, em dois casos: a) quando um dos terminais
estiver localizado no Brasil, e; b) mesmo que a empresa esteja
localizada no exterior, mas que ofereça seus produtos aos
brasileiros.
Porém,
quanto aos casos de contratos eletrônicos, seguem as mesmas regras
anteriores, onde os usuários contratam (compram) produtos e serviços
em sites com sede no estrangeiro. Isso se torna um problema,
visto que, atualmente, é muito comum alguém no Brasil contratar
produtos e serviços no exterior via internet. Porém, quando
há descumprimento por parte do vendedor, não há como aplicar, por
exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, deverá, então, ser
aplicada a lei do país estrangeiro.
Assim,
diante de uma situação danosa causada por site estrangeiro,
o usuário vai ter de entrar com uma ação judicial no Brasil, em
que o juiz brasileiro irá pedir para o juiz estrangeiro a citação
do réu (site) e o processamento da ação, através de um documento
chamado carta rogatória, cabendo ao juízo daquele país aceitar ou
não o pedido. Isso leva muito tempo até que o internauta tenha
satisfeita a sua demanda.
Nesse
sentido, foi se criando um entendimento nos tribunais superiores
brasileiros de que, se a empresa estrangeira tiver filial no Brasil,
e oferecer seus produtos aos brasileiros, ficará a mesma sob a égide
da normas brasileiras.
V
– Controle e proteção dos pais de conteúdo para menores
Um
outro aspecto que não foi olvidado pela referida Lei é o que diz
respeito ao controle de conteúdo para os terminais dos filhos,
feitos pelos pais. Eles podem escolher o programa a ser utilizado nos
computadores, tablets, etc, de seus filhos, a fim de buscar
maior proteção de conteúdos adultos e outros que induzam menores a
redes de pedofilia e prostituição.
Apesar
de estar contida na disposições finais, em seu art. 29,
consideramos positiva esta prescrição, reforçando o conteúdo
disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Vejamos
o artigo na íntegra:
Art.
29. O usuário terá a opção de livre escolha na utilização
de programa de computador em seu terminal para exercício do controle
parental de conteúdo entendido por ele como impróprio a seus filhos
menores, desde que respeitados os princípios desta Lei e da Lei
no 8.069,
de 13 de julho de 1990 -
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Aspectos
controversos
Conforme
explicitamos no início, há alguns aspectos trazidos pela Lei da
Internet que, a nosso ver, não representa um avanço em
termos de proteção ao usuário. Se não, vejamos:
I
– Responsabilidade civil dos provedores de conexão
O
art. 18 da Lei 12.965/14 afasta a responsabilidade civil dos
provedores de internet por danos causados pelos sites
ou terceiros usuários. Na verdade, este artigo foi resultado de uma
construção doutrinária consolidada pela jurisprudência.
Anteriormente
à referida lei, a responsabilidade dos provedores de conexão era
matéria controvertida, mas, entendia-se que, o provedor só não
seria responsabilizado se o mesmo não tivesse acesso ao conteúdo de
determinada página.
Hodiernamente,
mesmo que o provedor não tenha acesso ao site, deve tomar
medidas para remover o conteúdo ofensivo ao usuário, nem que, para
isso, deva remover o site do ar, sob pena de responder
solidariamente com a página hospedada.
No
entanto, à luz da referida norma, mesmo que o provedor de internet
tome conhecimento pelo usuário de que teve sua honra ou imagem
ofendidos em determinado site, ainda que o provedor de conexão
possa remover tal publicação, ele o fará se assim quiser, e, mesmo
que não faça, ficará livre de responsabilidade.
Contudo,
mesmo após o advento da Lei da Internet, conforme dito acima,
o egrégio Superior Tribunal de Justiça tem mantido seu
entendimento, responsabilizando o provedor de conexão caso ele não
haja de forma enérgica, retirando, se preciso, o site do ar:
AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC) - AÇÃO INDENIZATÓRIA POR
DANO MORAL - CRIAÇÃO DE PERFIL FALSO EM SÍTIO DE RELACIONAMENTO
(ORKUT) - AUSÊNCIA DE RETIRADA IMEDIATA DO MATERIAL OFENSIVO -
DESÍDIA DO RESPONSÁVEL PELA PÁGINA NA INTERNET - SÚMULA N. 7 DO
STJ - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO PROVIMENTO AO RECURSO -
INSURGÊNCIA DA RÉ.
1.
Violação ao art. 535, do Código de Processo Civil, não
configurada. Acórdão estadual que enfrentou todos os aspectos
essenciais à resolução da controvérsia.
2.
O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas
no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos
provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a
responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do
CC/02.
Ao
ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo
ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o
material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente
com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada.
3.
Revela-se inviável o exame da tese fundada na inexistência de
desídia da recorrente ao não retirar o perfil denunciado como falso
e com conteúdo ofensivo, porque demandaria a reanálise de fatos e
provas, providência vedada a esta Corte em sede de recurso especial,
nos termos da Súmula 7/STJ.
4.
A indenização por danos morais, fixada em quantum sintonizado ao
princípio da razoabilidade, não enseja a possibilidade de
interposição do recurso especial, dada a necessidade de exame de
elementos de ordem fática, cabendo sua revisão apenas em casos de
manifesta excessividade ou irrisoriedade do valor arbitrado.
Incidência
da Súmula n. 7/STJ.
5.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg
no AREsp 495.503/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado
em 26/05/2015, DJe 01/06/2015)
II
– Responsabilidade civil dos sites por conteúdos gerados por
terceiros
Antes
da presente norma entrar em vigor, havia um entendimento
jurisprudencial no sentido de que os sites, principalmente,
redes sociais, que contivessem publicações ofensivas à determinada
pessoa, deveriam retirar as postagens da página em até 24 horas do
recebimento da notificação do ofendido, sob pena de reparação de
danos morais.
Com
o advento do Marco Civil, conforme dispõe seu art. 19 e 21, o site
somente removerá tais publicações mediante ordem judicial,
obedecendo-se, para esse fim, o prazo estipulado pelo juiz.
Por
isso, entendemos que este regramento não trouxe benefícios aos
usuários, mas sim, maior proteção aos provedores de aplicações
(sites). Ou seja, se o internauta tomar conhecimento de alguma ofensa
pessoal em uma página da internet, deverá formar provas
convincentes da agressão moral de terceiros (art. 21, parágrafo
único) para depois mover a máquina judiciária, caso em que, o juiz
determinará que o site tome as devidas providências, a fim
de remover tais publicações danosas de sua página.
Considerando
a velocidade com que a informação é difundida na rede mundial,
aliado ao tempo atingido até a propositura da ação, decisão
judicial e notificação do provedor de aplicações, os danos
causados à imagem do usuário poderão ser de difícil reparação
ou irreparáveis.
Considerações
finais
Destarte,
apesar do Marco Civil da Internet ter mais de um ano, podemos dizer
que é ainda é cedo para se dizer em que sentido deverá ser
modificada a jurisprudência, bem como qual será o sentido e alcance
dessas normas atuais.
Como
vimos, a referida Lei trouxe novidades que aumentam, por exemplo, a
proteção do usuário brasileiro contra empresas estrangeiras.
Também,
vemos como positiva a questão da neutralidade da rede, a fim de
manter-se a livre concorrência entre os sites “pequenos” e
“grandes” da internet, muito embora haja certa controvérsia
sobre o assunto.
Outro
aspecto importante foi a livre escolha dos pais dos programas de
proteção que irão instalar nos dispositivos dos filhos, a fim de
protegê-los de criminosos virtuais.
Por
outro lado, certa parte da discorrida Lei, parece desvestir o
internauta de certas garantias no que tange do tratamento do usuário
com sites e provedores.
Acreditamos
que, por essa razão, a jurisprudência vem mantendo seu entendimento
anterior em alguns assuntos, conforme vimos acima, não havendo
ainda, um entendimento consolidado acerca da aplicação desta Lei,
pois, talvez seja ainda cedo para se chegar a uma interpretação
razoável da mesma através do já comentado princípio do diálogo
das fontes.